quinta-feira, 24 de maio de 2018

Devaneios III

E agora? É demasiado tarde para fingir que não reparou nele. Até porque ele já está a olhar para ela. Os seus olhares cruzam-se e...a sua expressão é curiosa, como que a perguntar se era mesmo ela. E o que estaria aqui a fazer. Bem...ela pode dizer o mesmo. Nunca pensou que ao fim de tantos anos o pudesse encontrar. Ainda para mais aqui, no café da praia. Afinal de contas, ele nunca gostou daquele sítio. Quando estiveram juntos, nunca aqui vieram. Nunca. Como as coisas mudam, não é mesmo? O que fazer às mãos? Voltar a olhar para o telemóvel não é uma opção de todo, porque não consegue desviar o olhar dele. Nem ele dela. Assim se estava neste impasse até que aparece alguém para falar com ele. Salva pelo gongo. E também pela empregada, que surge com o seu pedido. Mas ela agora ficou sem fome. Vê-o a ir-se embora. Ainda pensa em ir atrás dele, só que...o que iria adiantar mesmo? Afinal...não foi ela que quis terminar tudo? Que nunca mais o queria ver? Portanto...deixou-se ficar sentada a petiscar o bolo. Era o melhor a fazer. Pelos filhos. Pelo Álvaro. Por ela própria. Não queria ser magoada outra vez. Contudo, num ímpeto levanta-se e sai do café. Precisa de se sentar na areia. Senti-la escapar-se por entre os dedos. Contar as ondas. Tentar relaxar. Apanhar um pouco de sol, apesar do vento que se faz sentir. Desce as enormes escadarias até à praia. Entretanto já toca outra música nos seus fones. Agora é Everything, Michael Bublé. Como o destino é. Tinha de ser logo esta música. Que foi a primeira dança do casamento deles. Mudou logo para Madonna, Vogue. Muito melhor. Não tem nada a ver com ele nem com o Álvaro. Apenas com ela. Que sempre amou esta música desde quando era nova. Quando era nova...este pensamento ficou-lhe na cabeça. Enfim. Ficou a contemplar o mar e a pensar em tudo e em nada...o que lhe pareceu uma eternidade. As músicas seguem atrás umas das outras. Se lhe trazem más recordações...ela pula-as. É quando está a ouvir Valerie que o seu estômago ronca. Olha para o telemóvel. Já são 16h e ela não comeu mais nada. O Álvaro não deu sinais de vida, mas...nada que ela já não estivesse à espera. Saiu da praia e foi até ao Guincho almoçar. Levada pela onda de nostalgia, almoçou naquele mesmo restaurante onde o conheceu pela primeira vez. Pediu exatamente a mesma coisa que comeu há 20 anos atrás. Como tudo era diferente. Bem melhor do que agora. E...ela não resiste. Tem que ir ao miradouro onde tudo começou. Está quase a chegar, quando vê um carro. O carro dele. Só tem um significado o carro dele aqui. Rapidamente ela faz inversão de marcha e sai dela. Só espera que ele não a tenha visto.

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